Juvencio Marins: vamos dar uma pausa nas bebidas alcoólicas?


Observe e veja o que há em comum nesses três exemplos pinçados do oceano de parvos "machões" e "valentões": ontem, em Manaus, um delegado de Polícia Civil, no interior de uma boate, encarou a mulher de outro homem, recebeu um soco deste e sem pensar duas vezes matou o agressor a tiros, atingindo outras três pessoas. Segundo o delegado-atirador, somente 'disparou em legítima defesa'. Semana passada, em São Paulo, mãe e filha foram agredidas em casa pelo marido e pai. Há três dias, no Rio de Janeiro, um mero encostar de para-choques em um semáforo foi o estopim para novo homicídio após rápida discussão. 

O ponto em comum: todos os agressores tinham ingerido bebidas alcoólicas, incluído aí o de Manaus que deu o soco e foi em seguida assassinado. Sim, não resta a menor dúvida: é um oceano de "machões" e "valentões" munidos com armas modernas em vez de clavas e tacapes, despreparados, toscos, grosseiros, deseducados e cavernosos - verdadeiras espécies no meio-caminho entre o homem civilizado e os macacos (o que já é ofensa aos animais, aos quais - os animais - me desculpo antecipadamente) ao ponto de envergonharem neandertais, incentivados por bebidas e/ou drogas, para distribuírem socos e tapas e dispararem armas de fogo em locais entupidos de pessoas, sem olhar, sem pensar e sem mensurar as consequências, inclusive agentes públicos, supostamente treinados para situações de pressão.

Não se pretende aqui descobrir a pólvora e tampouco ser palmatória do mundo, mas será que não passou da hora de um rigor verdadeiro sobre o consumo de bebidas? Basta analisar as estatísticas: 89% dos acidentes e mortes no trânsito têm a ver com ingestão de bebidas; 78% dos casos de violência à mulher envolvem agressores bêbados; 63% dos homicídios noturnos têm a ver com bebidas; o percentual de alcoolismo entre os adolescentes cresceu 130% em cinco anos; entre as mulheres a proporção é de para cada 10, 5 bebem; e por aí segue a interminável relação fornecida pelo IBGE (veja no site do Instituto).

Não será a hora das pessoas compreenderem que pode existir diversão sem álcool e sem drogas? Não chegou o momento de parar de dizer para os adolescentes que 'uma simples cerveja não faz mal'? A tal 'simples' cerveja puxa bebidas mais fortes, e é tão embriagante quanto. 

Óbvio que não será necessário apenas proibir o consumo. É necessária uma reeducação desde a base. Tanto quanto às bebidas quanto com relação às drogas.  Isso precisa se iniciar dentro de casa, na família, nos lares, migrando para o trabalho e para as conversas. 

Chegou o momento de abominar a mentira de que 'vinho faz bem ao coração'. Como faz bem se é estimulante? Inexiste uma única pesquisa isenta que afirme que faz bem - exceto, claro, as encomendadas pelas empresas de bebidas e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação, que, no final, lucram com as inesgotáveis propagandas de bebidas, aquelas recheadas de moças e rapazes bonitos, saudáveis e em ambientes alegres e descontraídos para atrair os incautos e incautas. 

Veja-se as bulas dos medicamentos para coração, como os prescritos para arritmia, pressão alta entre outros. Todas trazem alerta para não ingerir álcool. Como, então, o vinho, que contém álcool, é benéfico ao sistema circulatório? 

O pior é a desfaçatez quando dizem que o vinho é feito com uvas assim assado que fazem bem ao coração. Ora, uva produz álcool, assim como a laranja também. E a laranja tem vitamina C, então, no entender deles, será bom ingerir cachaça feita de laranja para aumentar o nível de vitamina C? E o que dizer do diabetes que tem crescido assustadoramente na mesma proporção do aumento do consumo de bebidas? E as doenças de fígado e dos rins? Álcool faz bem também para rim e fígado? 

O álcool inibe as reações, baixa o sistema de defesa no corpo, enfraquece o raciocínio e reduz o equilíbrio hormonal, além, evidente, de contribuir para a perda da sensatez.

Sem que seja censura, basta de humor 'brando' com bêbados trôpegos e cinicamente engraçados em programas humorísticos, que funcionam somente para iludir o jovem de que 'beber é legal, é engraçado e divertido'. Ao contrário das piadas que circulam na rede, a bebida não mata lentamente.

Políticas de governo são bem-vindas também, assim como ações de propaganda contra o uso de bebidas e de drogas. Não basta colocar fotos de pessoas mortas, atropeladas, mulheres com rostos inchados ou crianças desoladas. É urgente colocar e estampar as faces dos agressores e junto com as deles as facetas das latas de cerveja, das garrafas de uísque e tanto o mais. É preponderante que sejam ações coordenadas, junto com outras de reafirmação sobre o valor da vida humana, sobre o viver em coletividade.

Será um longo percurso, mas, o que seria da escada sem o primeiro degrau?

J. Marins
Escritor, Jornalista e Magistrado

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